A ideia desse blog começou com 0 livro "O Clube do Filme", de David Gilmour, onde um rapaz desinteressado da escola é convidado pelo pai (crítico de cinema) a abandonar os estudos, desde que os dois assistissem juntos a pelo menos três filmes por semana. Minha esposa (na época namorada) Elaynne me presenteou com este livro, e decidimos fazer algo parecido: assistir a um filme por semana em casa.
Fizemos uma lista inicial de 36 filmes, sendo 18 escolhidos por mim e 18 por ela. Sorteamos um filme para assistir e já indicamos qual será o seu substituto na lista. Ou seja, isso não vai acabar nunca. Eu tomei a iniciativa de comentar os dois primeiros filmes que assistimos, daí criamos o hábito de comentar cada filme que assistimos, sendo que os meus filmes são comentados pela Elaynne e os dela, por mim.
Os comentários apresentam muitos spoillers. Por isso, se você gosta de surpresas, não vai gostar de ler nossos comentários. Se pra você tanto faz, ou se já assistiu aos filmes, aposto que vai se interessar em nossos comentários, mesmo que não concorde com todos.
Espero que curtam nosso interesse por cinema. Se gostou do blog, nos ajude a divulgar.

Carlos Henrique

19 maio, 2013

O Jardineiro Fiel (Elaynne)


Realmente, quando eu ouvia falar deste filme, nunca imaginei que se tratava de uma história tão marcante. Eu pensava ser mais um filme de romance, alguma história de amor, como muitos filmes comuns que vemos por aí. Eu nunca tive nem a curiosidade de pesquisar a respeito deste filme. Até hoje. E, por este motivo, posso dizer que este filme me surpreendeu, positivamente.
Uma história que envolve muitos aspectos, alguns deles se fazem entender apenas durante o filme. Fidelidade e traição, confiança, política, e principalmente, dinheiro e vida. Qual dos dois vale mais? Para a maioria das pessoas a resposta a esta pergunta é muito fácil. Para a maioria, não para todas. Ainda há quem acredite que, por alguns dólares a mais, qualquer atitude é justificável. 
Vou começar falando sobre a questão da confiança. Tessa e Justin eram pessoas totalmente diferentes em seu modo de ver a vida, e esta diferença se refletia no modo de agir de ambos. Justin sempre passivo, tranquilo, cumprindo seu papel sem maiores esforços. Tessa sempre explosiva, fala o que pensa, sem medo de desagradar ninguém. Ousada. E, apesar destas diferenças, ou talvez por conta destas diferenças, os dois se apaixonaram e começaram uma relação bonita, que tinha tudo para melhorar com a vinda do filho.Que não veio.
Com isso, a história tomou um rumo diferente. Tessa encontrou no Quênia um parceiro para suas ideologias, alguém que pensava semelhante a ela, o Dr. Arnold. Uma amizade que começou a incomodar muitos poderosos da região, mas também começou a incomodar o marido de Tessa. E após a morte dela, as suspeitas da infidelidade de Tessa aumentaram na mente de Justin. Certamente, no início de sua investigação, foi este o principal motivador da sua busca: saber se foi ou não traído.
E ele descobriu que havia se casado com uma mulher que o amava mais que tudo. E ele lamentou muito ter desconfiado dela em algum momento infeliz. Mas descobriu também que sua esposa não confiou nele totalmente. Não no assunto que mais ocupava sua mente e seu tempo. Apesar de Tessa ter feito isso pensando em Justin, em não envolve-lo ou comprometer seu trabalho, ela não confiou nele. Talvez, se Tessa tivesse compartilhado com seu esposo toda a sua situação e investigação, a história seria diferente.
Apesar de não ter traído seu esposo nunca, ela chegou a insinuar esta possibilidade para o melhor "amigo" do casal, tudo para atingir seu objetivo, que era de denunciar a exploração pela qual o povo do Quênia passava. Aí vem aquela velha dúvida: os fins justificam os meios? Quer dizer, ela salvaria milhões de vidas, mas se continuasse viva e fosse cumprir a promessa que fez ao amigo Sandy, seria justa com Justin, o esposo que tanto a amava? E caso ela justificasse que era por uma boa causa, não estaria de certa forma se igualando aos empresários e políticos contra os quais ela lutava? Um dilema moral que certamente tirou o sono de Tessa. Mas também que lhe deu forças para continuar com sua investigação, pois a promessa era um motivo a mais para ir com aquela história até o fim, até as últimas consequências. Eu, particularmente, não acredito que ela cumpriria sua palavra com Sandy.
O que mais me espanta neste filme é que, apesar de ser uma história de ficção, qualquer semelhança com fatos reais não é mera coincidência. Mudam as pessoas, os países envolvidos, as empresas. Mas o que acontece neste filme é apenas o retrato da realidade, com a qual não nos preocupamos tanto assim, porque nem sabemos que existe mesmo. É uma realidade distante da nossa, com a qual não temos contato, não convivemos diretamente, e acabamos, na maioria dos casos, simplesmente deixando de lado. Afinal, o que podemos fazer a respeito?
Ainda bem que há pessoas como Tessa no mundo. Pessoas que não têm medo de falar, e vão além do falar. Elas agem. E fazem o que fazem não para se promoverem, mas porque existe dentro delas uma preocupação com o ser humano, com a vida, com os semelhantes. Tessa é o tipo de pessoa que faz a diferença onde está, e tem consciência de que suas atitudes podem mudar a vida das pessoas. E mesmo que tudo o que ela fizesse só ajudasse uma pessoa, ainda assim, valeria a pena. "Não podemos ajudar todo mundo", disse Justin. "Não podemos. Mas ali tem duas pessoas que podemos ajudar agora", respondeu Tessa. Esta lição foi aprendida por Justin mais tarde. É uma lição que já devia estar internalizada na mente de todo ser humano.
Quem dera houvesse no mundo pessoas tão engajadas como Tessa. Certamente viveríamos em um mundo menos injusto e mais participativo. Um mundo onde todos os seres humanos se tratassem como iguais. E aqueles que se vissem superiores, melhores, donos da verdade, simplesmente por terem um poder financeiro superior, estes seriam julgados não pelo que têm, mas pelo que fazem. E seriam condenados por uma sociedade justa. Seria assim, ou pelo menos parecido com isso, se Tessa não fosse um personagem de ficção, mas alguém real, e que fosse imitada por milhares de pessoas ao redor do mundo.
Mas, como eu disse antes, este filme não é diferente da realidade. E o fim de Tessa foi igual ao fim de muitos corajosos que abrem sua boca, falam o que deve ser falado, com coragem de enfrentar os poderosos. Só que, estas pessoas têm a vida abreviada porque são poucas. Se fossem em maior número, assim que uma morresse outra se levantaria e continuaria seu trabalho. Mas o medo é maior, e as pessoas preferem ficar caladas, ou no máximo trabalhando em segredo, às escondidas, esperando que um outro corajoso apareça e faça o que ninguém mais tem coragem. Quando todos os justos se calarem, até as pedras clamarão! Vai chegar o tempo em que será preciso ouvir as pedras clamarem, e será breve.
Um dia também, eu espero, o mundo não será mais escravo do dinheiro. Quando este dia chegar, empresas farmacêuticas como a da história não poderão mais fazer o que fazem. Não terão mais lucros bilionários à custa da vida de milhares de inocentes, pois a vida de qualquer ser humano será mais valiosa que qualquer lucro que qualquer empresa seja capaz de produzir. É a desvirtuação dos valores que torna possível que coisas como a que aconteceram neste filme sejam realidades. E apesar de que estas realidades estejam distantes de nós, elas nos atingem. 
Não estamos livres da situação de vítima da mesma escravidão (do poder financeiro), e também não estamos isentos da nossa parcela de culpa, por nos calarmos e cruzarmos nossos braços. Uma frase que ouvi no curso "Educadores Sociais", que marcou e até hoje me lembro: "Quando vemos um forte dominando um fraco e não tomamos o lado de nenhum dos dois, já escolhemos o nosso". Tessa acreditava nisto. E foi fiel àquilo que acreditava até o fim. E mesmo depois, conseguiu contagiar seu esposo Justin com sua sede de justiça. "Bem aventurados os que têm fome e sede de justiça, pois serão fartos".