A ideia desse blog começou com 0 livro "O Clube do Filme", de David Gilmour, onde um rapaz desinteressado da escola é convidado pelo pai (crítico de cinema) a abandonar os estudos, desde que os dois assistissem juntos a pelo menos três filmes por semana. Minha esposa (na época namorada) Elaynne me presenteou com este livro, e decidimos fazer algo parecido: assistir a um filme por semana em casa.
Fizemos uma lista inicial de 36 filmes, sendo 18 escolhidos por mim e 18 por ela. Sorteamos um filme para assistir e já indicamos qual será o seu substituto na lista. Ou seja, isso não vai acabar nunca. Eu tomei a iniciativa de comentar os dois primeiros filmes que assistimos, daí criamos o hábito de comentar cada filme que assistimos, sendo que os meus filmes são comentados pela Elaynne e os dela, por mim.
Os comentários apresentam muitos spoillers. Por isso, se você gosta de surpresas, não vai gostar de ler nossos comentários. Se pra você tanto faz, ou se já assistiu aos filmes, aposto que vai se interessar em nossos comentários, mesmo que não concorde com todos.
Espero que curtam nosso interesse por cinema. Se gostou do blog, nos ajude a divulgar.

Carlos Henrique

16 março, 2014

O Leitor (Elaynne)

Quando você consegue fazer um filme onde um dos temas abordados é a literatura, as chances de sair um
bom filme são grandes.
Este é o caso.
Tem um enredo baseado em uma boa ideia, que foi bem desenvolvida. 
Por vivermos em um país onde muitas pessoas aprenderam a "desenhar" o nome, e não sabem diferenciar uma letra da outra, sabemos bem o valor que tem a educação, e como o simples fato de ser alfabetizado (o que para muitos é uma coisa banal) faz a diferença em todas as etapas da nossa vida. Ocorre que, com o passar do tempo e dos estudos, valorizamos mais o conhecimento específico que adquirimos, e esquecemos que tudo começou em uma sala de alfabetização.
E aí, O LEITOR nos apresenta Hanna Schmitz, uma mulher solitária, de poucas palavras, misteriosa. Com estas características, Hanna encantou e seduziu o jovem Michael Berg, mesmo que não tivesse a intenção de fazê-lo. Ela o seduziu e se deixou seduzir. Aos poucos viu-se envolvida em um romance forte com um garoto que tinha apenas metade da sua idade.
A questão é que este jovem tinha uma certa habilidade que Hanna não possuía, e que sentia falta. Era algo tão constrangedor para ela, que nunca foi revelado. Ela preferiu assumir a culpa por algo que não fez a confessar diante de uma multidão que não sabia ler ou escrever, que era analfabeta.
A história de amor entre os dois é até bonita. Especialmente durante a viagem de bicicleta que fizeram, podemos perceber como os dois estão felizes ao lado um do outro, como estão enamorados, apaixonados. É um momento daqueles que dá vontade de durar pela eternidade, uma fuga da realidade dos outros, a criação de uma realidade só deles, onde ninguém interfere. Quem já se apaixonou e foi correspondido sabe como é. 
Mas, como aquela vida não era a realidade, um certo dia aquele casal se desfez, quando Hanna desaparece sem deixar notícias. A vida aparentemente segue para Michael, o garoto, que conclui seus estudos e vai para a universidade, cursar Direito. 
Durante seu curso, em uma aula prática, em que um grupo de alunos é convidado a assistir ao julgamento de mulheres acusadas de matar e levar à morte judeus durante a guerra, Michael vê seu amor de adolescente no banco dos réus. Aquela mulher misteriosa, de quem muito pouco se sabia, era acusada de liderar um grupo que levou vários judeus à execução.
Na minha opinião, se o filme se encerrasse com o fim do julgamento, já seria um grande filme. É nesta hora que Michael tem a chance de retribuir o que Hanna fez por ele alguns anos antes, quando o encontrou doente em um beco e cuidou dele. Pode-se dizer que Hanna salvou a vida de Michael, e agora ele teria a oportunidade de fazer o mesmo. Porque mais uma vez a vergonha de confessar o analfabetismo prejudicou Hanna, e ela assumiu a autoria de uma carta cujo autor confessava ter aprisionado judeus dentro de uma igreja em chamas. Ela assumiu este crime, para não assumir sua falta de estudos.
Michael passou por um dilema moral muito forte. No caso dele, a única razão que se pode buscar para ele não interferir no julgamento seria a vergonha de assumir, diante de professores e amigos, que teve um caso com uma mulher muito mais velha e que, para piorar, trabalhou para os nazistas. Ele preferiu se omitir, preferiu não usar a informação que tinha e que poderia salvar uma vida. Por orgulho, preferiu ver a mulher a quem um dia amou ser condenada à prisão perpétua.
Como disse, pra mim o filme poderia terminar aí que já seria um ótimo filme. Mas a história continua, e Michael, já mais velho, entende que não pode remediar seu ato, mas pode fazer algo por Hanna. Algo que significasse muito para ela. E passa a gravar em fitas os livros que lia para ela quando estavam juntos. 
Percebemos, então, que Hanna é uma mulher mais determinada e forte do que imaginávamos, pois com estas fitas em mãos, ela aluga os livros correspondentes na biblioteca da prisão e aprende a ler e escrever. Ela, que poderia estar resignada, esperando a morte chegar na cadeia, encontra um motivo para continuar.
A vida não é diferente. Por mais que estejamos perdidos, sem saber que rumo tomar, devemos acreditar que sempre há um bom motivo para permanecer lutando. Podemos até pensar que estamos perdidos, pensando em jogar a toalha. Mas a vida sempre tem algo a nos oferecer de bom. Há pessoas incríveis, há sentimentos bons, e se tivermos a sabedoria para olhar no lugar certo, encontraremos motivos para lutar até o fim, não desistir.
Também, na outra ponta, sempre podemos fazer algo de bom pelas pessoas. Mesmo que tenhamos decepcionado esta pessoa em determinado momento, mesmo que tenhamos feito algo que nos envergonha, mesmo que carreguemos a culpa por uma ação ruim que fizemos, temos a opção de mudar nossas ações, enfrentar nossos erros e fazer o que é certo.
Dizer que não dá mais tempo é só uma desculpa. Sempre é tempo de se fazer a coisa certa por alguém.  Imagina como teria sido a vida de Hanna na prisão, sem as fitas de Michael? O fim que levou certamente teria acontecido bem mais cedo. Mesmo não livrando Hanna da prisão, Michael vez com que seus dias lá dentro fossem um pouco melhores. E os dias de Michael foram melhores por conta disto, também.