Até hoje eu conhecia Quentin Tarantino por filmes como Kill Bill e Sin City (onde dirigiu algumas
cenas). Filmes violentos, brutais, e que exageram nas cenas de lutas, principalmente quando há sangue envolvido. Tarantino demonstra nestes dois filmes que valoriza o exagero, de forma a reduzir o impacto da violência nas cenas. Todo aquele sangue que jorra de partes do corpo cortadas desfazem a "realidade" da coisa, sem no entanto diminuir o prestígio das cenas.
Então, com a experiência destes filmes que citei, sempre quis assistir Pulp Fiction. É um filme que estaria na minha lista, com certeza, mais por curiosidade que por qualquer outra coisa. Um filme de Quentin Tarantino com "violência" no nome deve ser o mais sanguinário de todos, era o que eu acreditava. E, bem... não é bem assim. Nada daqueles rios de sangue.
Claro que este detalhe não diminui a qualidade do filme em nada. É um filme muito bom, não a toa ganhou um Oscar pelo roteiro. A forma como a história é desenvolvida e narrada é diferente. O filme começa em um determinado dia, avança, depois retorna do ponto onde parou, só que por outro ponto de vista. É o que faz o roteiro ser diferente e realmente original. Não dá nem pra dizer que há um personagem principal na história. Isto depende muito de qual parte do filme você assiste.
Se pega o início do filme, dá pra dizer que o personagem principal é Vincent (John Travolta), junto com Mia (Uma Thurman). Se assiste o meio do filme, o personagem mais relevante é o boxeador Butch (Bruce Willis). Mais à frente a história valoriza o personagem Jules (Samuel L. Jackson). E cada parte forma uma história de certa forma interdependentes. Daria pra fazer três filmes diferentes de cada personagem, ou mais filmes ainda, dependendo de qual personagem escolher. E este é um dos motivos pelo qual este filme faz tanto sucesso.
Um dos fatos que mais me chamou a atenção neste filme é a diferença de personalidade entre os dois assassinos, Vincent e Jules. Em alguns instantes parece até que eles vão se matar, ou iniciar um tiroteio, e por discussões banais, por teimosia dos dois. São diferentes, têm pontos de vista diferentes sobre a vida que levam, mas acima de tudo são parceiros. Com todas as brigas e discussões, eles confiam um no outro. Sabem que podem contar um com o outro quando for preciso, mesmo que não concordem com o pensamento do outro. Isto se chama confiança, qualidade difícil de se encontrar, mas que pode existir até mesmo entre criminosos.
E o que dizer de Jules? O cara é uma figura! Como pode um assassino viver citando a Bíblia, mesmo que sempre o mesmo trecho? Acontece que ele é um assassino que tem fé, mais uma qualidade rara de se ver, mesmo entre pessoas "normais". Um cara que convive com a morte quase que diariamente, de repente se dá conta de que a vida pode ter algo mais a oferecer a ele. E que ele pode ter algo mais à oferecer à vida dele e das pessoas. A partir daí ele tenta compreender realmente o texto bíblico que ele já tinha decorado:
"O caminho do homem justo é rodeado por todos os lados pelas desigualdades do egoísmo e da tirania dos homens maus. Bem-aventurado aquele que, em nome da caridade e da boa vontade, pastoreia os fracos pelo vale das trevas, pois ele é verdadeiramente o guardião do seu irmão e o descobridor das crianças perdidas. E derrubarei sobre ti, com grande vingança e furiosa raiva, aqueles que tentam envenenar e destruir meus irmãos. E você saberá que o meu nome é Senhor quando eu derramar minha vingança sobre você."
Pra dizer a verdade, o texto de Ezequiel 25:17 é apenas a parte sublinhada. O início foi criado por Tarantino ou por Samuel L. Jackson, vai saber. O importante é que, de tanto repetir este texto, Jules percebeu que tudo o que dizia fazia algum sentido. Só faltava descobrir que sentido era esse. E, se é preciso um milagre para um criminoso mudar de vida, este milagre aconteceu, pelo menos no entendimento de Jules. E milagres são assim. Quem os presencia sente algo mudar dentro de si. Pode ser a pior das pessoas, ou aquela que acredita ser a melhor. Aquele que acredita estar vivo ou saudável por um milagre não quer guardar isto para si. Quer compartilhar, mostrar ao mundo que ter fé vale a pena. Eu falo até mesmo por mim. Vivi um milagre e, por isso, não espero mais por outro. Espero, sim, poder ajudar as pessoas a terem fé suficiente para viverem seu próprio milagre, ou a terem seus olhos abertos para que percebam que o milagre que elas esperam aconteceu. Só falta crer, ver e aceitar.